David Botelho: Brasil – O Gigante Adormecido
‘’...Deitado eternamente em berço esplêndido...’’ – frase do hino nacional
brasileiro
PENSAMENTO
“Hoje em dia muitas pessoas dizem amar Jesus e o seu reino celestial, mas
poucos carregam sua cruz. Muitos anseiam pelo conforto que ele traz, mas poucos
estão dispostos a enfrentar as provações que seu nome pode trazer. Jesus
encontra muitas pessoas que desejam partilhar do seu banquete, mas poucas
dispostas a jejuar com ele. Todos querem desfrutar da alegria que ele traz, mas
poucos estão dispostos a enfrentar algum sofrimento por causa dele. Muitas
pessoas seguem Jesus até o momento de partir o pão, mas poucos chegam a tomar
de seu cálice do sofrimento. Muitos admiram os seus milagres, mas poucos
seguem-no na indignidade de sua cruz”. Tomas á Kempis
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2004, vários líderes de organizações missionárias latinas
reuniram-se na Costa Rica. O encontro foi promovido pela Wycliffe, missão
especializada no trabalho de tradução da Bíblia. Naquela ocasião pude
participar do Fórum de Colaboração para o Impacto das Escrituras. Foi quando
percebi a necessidade de escrever uma reflexão, a partir de uma perspectiva
latina, que mostrasse a todos os presentes porque o Brasil, que tem um grande
potencial missionário, ainda não “decolou”. Minha conclusão é que esse
potencial jamais será totalmente alcançado sem que exista uma parceria mais
efetiva com a Igreja do hemisfério Norte. Afinal, precisamos enfrentar muitos
obstáculos naturais, considerar o tamanho dos desafios e também nossa realidade
espiritual.
O especialista em missões
Peter Wagner declarou, no começo da década de 1990, que o Brasil seria a maior
força missionária mundial em 2010 e que 2025 seria a vez da China. Isto ainda
não ocorreu e realmente creio que não existem sinais evidentes de que tal
previsão se cumpra. Em parte, o problema é a falta de parcerias eficazes entre
a Igreja do hemisfério Norte e a Igreja brasileira. Mesmo assim, segundo
Patrick Johnstone, o Brasil é terceira nação que mais envia missionários neste
momento.
Pensando sobre a situação da China, a previsão de Peter poderá se concretizar,
pois a China já vem explorando seu potencial missionário hoje de forma mais
ampla e eficaz que o Brasil. Basta lembrar que somente o Movimento Back to
Jerusalem pretende levantar 100.000 missionários chineses. O plano é que eles
saiam da China percorrendo o trajeto conhecido como “rota da seda”, hoje também
chamado de “Janela 35-45” ou Janela Túrquica, até chegar a Jerusalém. Muitas
reuniões estão sendo feitas sobre o assunto e o Irmão Yan, um pastor chinês que
esteve preso durante mais de 20 anos por pregar o evangelho, está sendo tremendamente
usado por Deus para divulgar a visão. O movimento conta com o apoio do escritor
Paul Hattaway, que colocou o assunto, de forma jornalística, em evidência nas
várias reuniões de parcerias realizadas no mundo para tratar do assunto. Esse
tipo de proposta de união no trabalho missionário é algo vital para ajudar no
treinamento, na logística e na estratégia daqueles que serão convocados para
essa empreitada tão importante e perigosa.
Parece que há mais interesse e generosidade da Igreja do hemisfério Norte em
relação à Igreja chinesa. Creio que o principal motivo seja o sofrimento que os
irmãos chineses enfrentaram por causa da perseguição; algo que, de certa forma,
serviu para purificá-la. Além disso, a comunidade chinesa cristã espalhada pelo
mundo é rica e pode, certamente, investir no financiamento deste contingente
tão corajoso que ainda está passando por um duro treinamento. A perseguição fez
deles militantes persistentes da causa de Cristo e, acima de tudo, muito
bem-sucedidos na evangelização. Prova disso é a estimativa de que ocorram
27.000 mil conversões na China a cada dia. É importante destacar ainda que,
segundo o pesquisador Patrick Johnstone, a maioria desses evangelistas são
mulheres, muitas delas ainda adolescentes.
Ao longo dos anos vários escritores fizeram análises sobre a Igreja brasileira
partindo da perspectiva do hemisfério do Norte. Alguns deles trabalham no
Brasil ou são obreiros nacionais educados dentro de uma filosofia de trabalho
típica da Igreja do Norte. Entendo a importância desses escritos, mas sinto que
é preciso fazer uma nova leitura do que está acontecendo sob uma perspectiva
mais latina.
Mudanças no mundo.
Nos últimos anos, quase da noite para o dia, a América do Sul viu o mundo
passar por uma mudança histórica na produção de alimentos, que está
transformando o interior quase inexplorado do continente no “novo celeiro” do
mundo. Isso não era algo previsto e muito menos aceitável, pois no passado se
enfatizava que o bom da exportação era o material processado e não a matéria-prima
em si.
Um dos últimos locais do planeta onde ainda existem grandes áreas disponíveis
para agricultura, a América Latina (sobretudo o Brasil) tem visto uma
verdadeira explosão na exportação de produtos agrícolas na última década. Tal
crescimento é alimentado por uma combinação de políticas econômicas pró-mercado
e avanços na agronomia. Assim, terras tropicais inutilizáveis foram
transformadas em terras produtivas, aumentando os níveis de produtividade a
ponto de ultrapassar os Estados Unidos e Europa, o que acabou desafiando o
domínio tradicional deles no mercado global de produtos agrícolas.
Assim como o profeta Jeremias , não posso me calar diante de tantas razões que
atestam a possibilidade de vermos este gigante chamado Brasil “decolar”
Os missiólogos concordam que o século XXI está testemunhando um grande
deslocamento no “centro de gravidade” do mundo cristão, indo do norte e oeste
em direção ao sul e leste. A realidade incontestável é que em 1960 o hemisfério
Norte possuía 75% da membresia da igreja do mundo e o Sul, somente 25%. No ano
2000, esse quadro já estava invertido, pois estima-se que 75% dos cristãos
vivem na porção sul do planeta e 25%, no Norte . Os números relativos ao envio
de missionários também mudaram nas últimas quatro décadas, mas não na mesma
proporção.
Anteriormente, quando se falava de um missionário a idéia mais comum era de um
americano ou europeu de pele branca. Este quadro hoje mudou e percebe-se que a
área de treinamento melhorou sensivelmente no hemisfério Sul. Em grande parte,
isso aconteceu como conseqüência do investimento da Igreja do Norte nesta área,
bem como da adaptação do treinamento ao contexto latino em muitas escolas.
Para os escritores e estudiosos do hemisfério Norte essa idéia parece algo
totalmente novo. Até mesmo os latinos podem duvidar da viabilidade desse tipo
de parceira, mas é preciso que a Igreja absorva novas idéias e quebre
paradigmas. A verdade é que ainda existe muito a ser feito e o mundo não é mais
o mesmo. É preciso identificar o sinal dos tempos e seguir em frente sem estar
preso a tradições humanas. O mover de Deus nesse novo tempo é inegável.
Politicamente, o Brasil busca estar no centro dessas mudanças, pleiteando uma
posição de liderança. Será este um sinal profético para a Igreja Brasileira?
A realidade do Brasil em Missões Transculturais na atualidade
O Brasil foi chamado de “cadinho de nações” por causa de seus muitos casamentos
inter-raciais. Aqui existe liberdade religiosa e temos um pouco mais de 3.000
missionários transculturais. Pode parecer muito, mas considerando a existência
de aproximadamente 54 milhões de cristãos evangélicos, espalhados por 300.000
igrejas, é um número quase irrelevante. Basta lembrar que menos de 500 dessas
igrejas têm um missionário trabalhando na região da Janela 10-40 e Além, onde
vivem 95% dos povos menos alcançados da Terra e menos de 300 mantêm
missionários trabalhando entre os povos indígenas do Brasil.
Calcula-se que a cada dia ocorrem em média 7.500 conversões no país, num total
de mais de 2.7 milhões por ano. Contudo, a negligência da Igreja Brasileira
pode ser vista em próprio solo nacional, pois ainda existem mais de 152 tribos
indígenas sem a presença de missionários.
Opotencial não explorado . A conclusão lógica é que existe um potencial muito
grande ainda inexplorado.
Existem pouquíssimas
igrejas fazendo muito por missões transculturais, mas a maioria não tem feito
nada (ou quase nada) para a evangelização mundial. As pessoas só podem se
dispor a fazer algo em prol de missões quando são informadas e desafiadas.
Quando isso acontece, surgem milhares de candidatos, inclusive com nível
universitário concluído, mestrados e até doutorados, interessados em ser
treinados para levar o evangelho aos não alcançados.
Todos esses fatores devem
ser levados em conta ao refletirmos sobre o potencial missionário inexplorado
da Igreja brasileira, assim como o perfil da nossa cultura, que influencia o
modo de ser e pensar de cada crente brasileiro.
As razões porque o Brasil
ainda não “decolou”:
1 – Cultura individualista:
Existe um adágio brasileiro bastante conhecido que diz: “Cada um por si e Deus
por todos”. Este ditado popular revela uma realidade da situação do país,
mostrando que cada um quer fazer suas próprias coisas e tem uma grande
dificuldade para realizar um trabalho em equipe.
Isso pode ser fonte de problemas, pois infelizmente há pouca unidade no
movimento missionário brasileiro e muito se deve a essa cultura individualista.
As organizações missionárias poderiam unir os esforços e fazer muitas
atividades juntas. Um bom exemplo é que por mais de dois anos fala-se em
produzir uma revista que una todas as agências missionárias do país. O custo
seria menor e conseguiríamos uma expressão maior para as necessidades
missionárias. As missões que já possuem algum tipo de publicação não conseguem
aumentar a tiragem, e acabam produzindo uma tiragem pequena que aumenta os
custos. O resultado é que a falta de unidade acaba sendo um grande impedimento
para a popularização do material de missões, pois as organizações missionárias
e igrejas não trabalham juntas para um objetivo comum.
As diferenças denominacionais, principalmente as diferenças existentes entre a
forma de trabalhar dos chamados “pentecostais”, “renovados” e “tradicionais”,
comprometem o trabalho missionário brasileiro. Se de um lado os membros de
igrejas pentecostais valorizam pouco a necessidade de treinamento transcultural
e o trabalho de longo prazo, como a tradução da Bíblia para povos não
alcançados, por outro lado, os chamados “tradicionais” dão pouca importância a
questões como oração e batalha espiritual. Seria maravilhoso se ambos unissem
as forças e fizessem um trabalho conjunto para alcançar todas as tribos
brasileiras e as regiões do mundo que ainda não têm testemunho efetivo do
evangelho.
2 - Cultura Nacionalista ou Etnocentrista.
Várias missões latinas têm se vangloriado de ser totalmente nativas. O
pensamento brasileiro, incentivado por norte-americanos e europeus é que esta é
“a hora do Brasil”. Alguns chegam ao cúmulo de dizer que a hora da América do
Norte e Europa já passou. Isso reflete um orgulho ufanista e totalmente
descabido. Seria mais sensato pensar que esta é a hora da Igreja como um todo.
Precisamos unir as forças do hemisfério Norte e Sul para terminarmos a tarefa
da evangelização mundial. A Grande Comissão não foi entregue a uma nação ou
continente específicos, mas à Igreja toda, e deve ser estabelecida na face de
todo o planeta.
O mundo só vai crer quando formos um. Estas palavras foram pronunciadas na
oração sacerdotal de nosso Senhor Jesus Cristo. Creio que esta oração vai ser
respondida, mas espero que isso ocorra ainda em nossa geração. O pesquisador
Daniel Rickett afirma que nenhuma missão ou igreja pode sobreviver sozinha
neste novo milênio. Para as mega-missões, mega-igrejas e as organizações
cristãs que ainda estão nascendo, as parcerias interculturais tornaram-se um
elemento vital para o sucesso ministerial, principalmente para alcançar regiões
“fechadas”, como China, Índia, Norte da África e Oriente Médio. Creio que, mais
do que nunca, a força missionária para a evangelização mundial não está apenas
nas mãos da Igreja do chamado “mundo dos dois terços”, que inclui África, Ásia
e América Latina, mas sim no conjunto total, ou seja, contando com a parceria
da igreja do Norte.
3 – Falta de projetos
dentro da realidade brasileira
O pesquisador e especialista em estatística George Barna diz que o mundo mudou
e que quem não mudar, morrerá. Lembro também de um provérbio africano que diz:
“Os cachorros de ontem não caçam os coelhos de hoje”. A lição mais importante
que aprendemos com essas declarações é que os métodos do passado não servem
para os dias de hoje. Isso também é verdade em relação aos métodos,
estratégias, fórmulas e logística da Igreja do hemisfério Norte, que não servem
para o hemisfério Sul.
A Bíblia também ensina uma lição semelhante quando relata a indignação do jovem
Davi ao ver o gigante Golias desafiando o povo de Israel. O desafio do
guerreiro filisteu chegou ao conhecimento do rei Saul e do exército israelense.
A primeira providência do rei foi colocar sua armadura pesada no jovem Davi.
Isso simboliza a imposição de paradigmas dos poderosos e do uso de métodos
pré-estabelecidos. Davi colocou a armadura imediatamente, mas percebeu que era
muito pesada e desconfortável para ele. O jovem pastor israelense estava
acostumado a lutar e não tinha problemas de auto-estima, por isso disse: “Não
posso andar com isto, pois não estou acostumado a fazer as coisas deste modo”.
Davi enfrentou o gigante sem usar as armas convencionais do rei Saul e mesmo
assim alcançou uma grande vitória, livrando o povo de Israel do exército
inimigo ou de uma grande vergonha.
As Escrituras também mostram Davi usando a espada de Golias para cortar a
cabeça do gigante. Posteriormente ele voltou a usar a mesma espada em algumas
de suas batalhas. A experiência que adquiriu nas guerras fez dele um dos
maiores especialistas em batalhas da história de Israel e ele chegou a treinar
um dos melhores exércitos que seu povo conheceu.
Em resumo, o modelo bíblico indica que para iniciar um ministério não é preciso
usar tantos aparatos, mas a necessidade de uso destes vem com o passar do
tempo. As organizações baseadas no hemisfério Norte só enviam seus candidatos
com o valor total ideal para irem ao campo. Hoje os missionários latinos podem
viver bem com cerca de um quinto do sustento requerido pelos missionários
vindos do hemisfério Norte.
4 – A barreira do idioma.
Esta é uma grande desvantagem para a Igreja brasileira, que hoje é a terceira
maior igreja do mundo em número de membros, atrás somente dos Estados Unidos e
China. Poucos líderes nacionais falam inglês fluentemente para se comunicar com
líderes internacionais. Em parte, esse é um dos motivos que impede o surgimento
de parcerias internacionais mais eficazes, algo vital para o projeto
missionário transcultural de levar o evangelho aos povos não alcançados. Por
falta de preparo adequado e da fluência em outras línguas, o grande potencial
dos missionários brasileiros acaba não encontrando liberdade suficiente para se
desenvolver e cumprir o propósito eterno de realizar as boas obras reservadas
de antemão a cada um de nós.
Hoje em dia existem cerca de 3.000 brasileiros trabalhando em tempo integral
como missionários transculturais. Na média, existe um missionário para mais de
150 mil evangélicos do país. Enquanto isso, a Igreja Indiana, que é muito menor
e possui menos recursos financeiros, conta com mais de 27.000 missionários
transculturais, nove vezes mais que o Brasil.
Deve-se considerar ainda a situação daquela nação, que tem o grande desafio de
alcançar os diversos povos e línguas que vivem em seu próprio território,
principalmente no norte do país. São mais de 600.000 vilas e cidades, das quais
apenas 100.000 possuem ao menos um obreiro cristão. Uma das vantagens nas
parcerias feitas pelas missões indianas é que, por causa da colonização
inglesa, a grande maioria dos líderes cristãos fala inglês. Além disso, a
maioria dos missionários indianos que deseja trabalhar com etnias não
alcançadas pode permanecer em sua própria nação. Porém, a lingual geral
(inglês) continua sendo um benefício inegável para aqueles irmãos.
O sistema educacional da América Latina não contribui para um bom aprendizado
da língua inglesa nas escolas. Muitas vezes o missionário é mal compreendido
quando diz que precisa de recursos para estudar inglês fora do país, o que
acelera o aprendizado. É preciso mudar essa idéia equivocada de que o
missionário não pode considerar o aprendizado do inglês como parte da sua
preparação para a obra missionária.
5 – Cultura Egoísta.
Infelizmente, a cultura predominante na liderança evangélica brasileira é
egoísta. Somente pensam nos que estão próximos e nas necessidades de suas
própria igrejas e/ou denominações. Pesquisas indicam que somente o vergonhoso
índice de 1% dos recursos da Igreja no mundo é investido em missões
transculturais aos não alcançados. Contra fatos não há argumentos.
Esta realidade é
perpetuada na igreja brasileira. As igrejas pentecostais e renovadas, embora
sejam conhecidas pelo seu zelo evangelístico, são as que menos contribuem para
alcançar pessoas fora do Brasil. A média de contribuição individual para
missões transculturais é de apenas R$ 1,30 por ano. Ou seja, cada evangélico
brasileiro contribui com menos de um dólar.
O Brasil não é um país tão pobre quanto se pensa. Trata-se de uma das 10
maiores economias do mundo. O problema é uma grande discrepância na
distribuição da renda nacional. Merece atenção o fato de que a maioria das
igrejas que apóia a obra missionária é pequena. A discrepância na distribuição
de renda é refletida nas grandes igrejas, que dividem muito mal a sua
arrecadação quando se trata de missões. Centenas de igrejas grandes não têm um
programa de investimento mensal na obra missionária, estando mais preocupadas com
novas construções e o conforto apenas de seus membros. Para ajudar na avaliação
de nível de comprometimento, elaboramos uma escala para medir o envolvimento de
uma igreja com missões transculturais. Essa escala não se baseia em valores
absolutos, mas sim na proporção do investimento em missões comparado ao total
de arrecadação mensal. Com ela pretendemos identificar a distribuição de renda
dentro das igrejas brasileiras. O patamar mais baixo é o das igrejas omissas
(que investem de 0 a 4% de suas entradas em missões transculturais); o seguinte
é o das igrejas passivas (com investimento de 5 a 9%); em seguida vêm as
igrejas interessadas (que contribuem com 10 a 19%); chegando até a categoria de
envolvidas (20 a 29%). A partir daí, pode-se atingir níveis mais positivos: ser
amiga de missões (contribuindo com 30 a 39% de seus recursos), apaixonada por
missões (investimento de 40 a 49%), culminando com as verdadeiramente
comprometidas com missões (que investem mais de 50%). Até agora só encontramos
somente duas igrejas que se enquadrariam nesse último nível. Para os que
criticam a necessidade de finanças vindas de fora do país, é bom lembrar que a
maioria das igrejas pesquisadas não poderia ser chamada nem mesmo de envolvida
com missões.
6 – Medo desmedido da igreja do Norte.
As organizações
missionárias do hemisfério Norte demonstram um medo desmedido de associar-se
com as organizações do Sul. O argumento usado é que se trata de paternalismo. O
canadense Oswald Smith percebeu isso e chegou a dizer que: “O nacionalismo se
manifesta em quase todos os países, e está dificultando crescentemente a obra
missionária. O seu lema é: África para os africanos, Índia para os indianos, e
China para os chineses”. Alguns missiólogos baseiam-se em investimentos mal
feitos no passado para argumentar que não se deve enviar recursos a nações
pobres. Isso vai contra o relato bíblico.
O apóstolo Paulo não era
natural da Antioquia, foi para lá a convite de Barnabé e recebeu parte do seu
sustento de Filipos. Ele menciona isto de uma maneira especial, dizendo que
Filipos foi a única igreja que investiu no seu ministério após ter saído para a
Macedônia.
Quando penso nisto, vejo
a lição extraordinária que os líderes muçulmanos estão nos dando. Eles enviam
obreiros avançados de diversas nações, inclusive de países pobres, que são
financiados por países muçulmanos ricos, como Arábia Saudita, Líbia, Catar,
Emirados Árabes Unidos e outros.
Podemos imaginar um
exemplo baseado no que eles estão fazendo. Levantar 4.500 equipes
multinacionais com pessoas do hemisfério Sul (que tem abundância de obreiros
interessados) e treiná-las para a tradução da Bíblia nas línguas faltantes.
Estas equipes seriam compostas de tradutores, alfabetizadores, evangelistas e
enfermeiros financiados majoritariamente por nações ricas. Este trabalho seria
feito através de uma parceria em que cada país contribuiria proporcionalmente
com o salário mínimo vigente em território nacional. Isto seria uma revolução
que ajudaria a concluir uma das tarefas mais difíceis da obra hoje, que é a
tradução da Bíblia para todas as línguas. Se algo parecido não for feito
urgentemente, o alvo proposto pela Visão 2025, de ter um tradutor da Bíblia em
cada língua até o ano 2025 será apenas mais um sonho lindo das organizações
missionárias.
Creio que já chegou a hora de superarmos os modelos vigentes e nossos medos,
pois a Igreja do Senhor é feita de muitas partes. Deus distribui dons especiais
para a edificação do corpo. A natureza da Igreja é que cada parte distinta deve
fazer o seu trabalho de maneira única. Portanto, para que ocorra a expansão da
Igreja precisamos de mais obreiros, mais oração, mais contribuições financeiras
e mais cuidado pastoral realizados em parceria. Somente assim faremos com que a
dinâmica do reino se estabeleça. Um bom livro que aborda essa maneira de
trabalhar conjuntamente foi escrito por Daniel Rickett e tem o sugestivo título
“Building Strategic Relationships – A Practical Guide to Partnering With
Non-Westerner Missions” (Construindo Relacionamentos Estratégicos – Um guia
prático para as parcerias com as missões não ocidentais). Infelizmente não
dispomos desse material em português, mas ele traz contribuições valiosas,
segundo a perspectiva de um membro da Igreja do hemisfério Norte.
K. P. Yohannan, um líder
de missões indiano que mora nos Estados Unidos, faz algumas observações
importantes sobre essa questão:
Cristãos norte-americanos
sozinhos, sem muito sacrifício, podem suprir financeiramente todas as
necessidades das igrejas no terceiro mundo. Por que nós não podemos gastar pelo
menos um décimo do que usamos para nós mesmos na causa da evangelização
mundial? Se as Igrejas dos Estados Unidos sozinhas tivessem feito este
comprometimento em 1986, haveria 4.8 bilhões de dólares disponíveis para a
evangelização mundial. Se a abundância dos americanos me influenciou, a
abundância dos cristãos me influenciou mais ainda! Nos Estados Unidos existem
5.000 livrarias evangélicas que vendem artigos religiosos que ultrapassam minha
capacidade de imaginação. Tudo isso enquanto mais de 4.000 das 7.148 línguas do
mundo ainda estão sem uma única porção da Bíblia na sua própria língua. 80% das
pessoas do mundo nunca possuíram uma Bíblia, enquanto os americanos têm em
média quatro Bíblias por residência.
Se a igreja do Senhor que está no Norte não fizer a sua parte neste processo de
parceria, estará omitindo os dons que o Senhor lhe tem dado para contribuir
para a expansão do Reino.
Spencer Johnson, autor do
best-seller Quem Mexeu No Meu Queijo?, enfatiza a necessidade de mudança de
paradigmas em várias áreas da vida. Ele reforça a afirmação categórica do
pesquisador cristão George Barna: “Quem não mudar, morrerá”. Vemos a
necessidade de mudança de pensamento da Igreja do hemisfério Norte em relação a
parcerias com a igreja do Sul, principalmente com as igrejas do Brasil e
América Latina. O fato de brasileiros receberem apoio financeiro não os torna
dependentes de um país, mas sim da providência de Deus, concretizada pela sua
Igreja espalhada pela Terra.
Poderia citar como
exemplo, entre vários na América Latina, um casal que investiu dez anos de sua
vida no preparo para se tornar tradutor da Bíblia. Eles foram aprovados por sua
denominação para ser missionários, mas o maior desafio que têm enfrentado é
levantar o sustento integral. Chegaram a pensar que desenvolvendo um ministério
local facilmente teriam o sustento depois de algum tempo, o que não aconteceu.
No entanto, o ministério vital a que eles se propuseram continua com falta de
obreiros única e exclusivamente por não termos estrategistas na área de missões
que apresentem propostas concretas para uma mudança de atitude. Se houvesse uma
parceria com a Igreja do Norte, exemplos como estes deixariam de existir e a
força missionária aos não-alcançados poderia ser multiplicada facilmente em
mais de 100 vezes.
Edison Queiroz, um
experiente pastor e mobilizador de missões transculturais, que pastoreou a 1ª
Igreja Batista em Santo André – SP (que foi um modelo em missões nos anos 80),
baseado em sua experiência nos EUA, nos traz as seguintes observações:
A Igreja Americana está muito voltada para si mesma.
Há um movimento de formar mega-igrejas, onde os ministérios são voltados e
especializados para as pessoas que vivem ao redor da igreja e o enfoque é
somente alcançar a cidade.
2. Os americanos não crêem no potencial dos
estrangeiros. Eles não consideram que as pessoas alcançadas no campo podem
tornar-se missionários.
3. Eles têm muito dinheiro, e quando investem no
campo querem controlar excessivamente as ofertas.
4. Alguns têm muitas tradições quanto à obra missionária que precisam ser
quebradas. Por exemplo, a necessidade de ter doutorado para poder ir ao campo,
excesso de benefícios para os missionários, etc.
5. O denominacionalismo aqui também é exacerbado.
Poucas denominações fazem parcerias com outras e também com agencias
missionárias.
6. Existe também o problema cultural, com uma forte
tendência a olharem outras culturas como inferiores
7. Tudo isto sem contar todo o background político
que tem sido um grande impedimento também.
Tradicionalismo.
O tradicionalismo tem feito que os trabalhos realizados à maneira latina sejam
criticados por lideranças conservadoras. Isto tem prejudicado o aparecimento de
trabalhos genuinamente latinos. Se quisermos ver latinos chegando aos não-alcançados
em grande quantidade, precisamos apoiá-los. A maioria das escolas de
treinamento ainda copia currículos de instituições do Norte e procuram impor
essa “fórmula” aos latinos.
Aqui, uma vez mais, somos remetidos ao relato bíblico referente a Davi, filho
de Jessé, no campo de batalha. Todos viram sua coragem e desejo de enfrentar o
incircunciso Golias. Assim, a primeira coisa que fizeram foi oferecer-lhe uma
armadura pesada que impedia seus movimentos. Sua reação natural foi rejeitá-la.
Quando agiu do modo como estava acostumado, sem a armadura, o resultado foi a
vitória do povo de Israel num momento crucial de sua história. Davi não ficou
preso à tradição e guardou a espada do gigante morto. Posteriormente, usou
outras vezes a espada que conquistara até ficar tão acostumado com o manejo
dela que chegou a treinar outros soldados. Os homens de Davi formaram o melhor
exército da história de Israel. Do mesmo modo, precisamos dar liberdade para os
latinos desenvolverem-se aprendendo com seus próprios erros e acertos.
Antigamente, missionários estrangeiros acabavam assumindo todas as funções e
treinavam poucas pessoas para substituí-los. A proposta agora é acabarmos com
esse tipo de tradição humana que não desenvolve todo o potencial dos
candidatos. Vemos, então, que a questão financeira é apenas um aspecto da
cooperação, que inclui ainda treinamento de qualidade e trabalho conjunto.
8 – Diferenças culturais.
A forma de atuar dos brasileiros é bem diferente da dos povos do Norte. Os
brasileiros são mais orientados para o trabalho com pessoas do que com tarefas.
Isso já está mudando nas grandes cidades. Mesmo assim, essa característica é
muito importante, pois esse é justamente o perfil da maioria dos povos
não-alcançados da Terra.
Creio que, com um bom
treinamento, poderemos ver equipes mistas, compostas de latinos, europeus e
norte-americanos trabalhando juntos para expansão do Reino na face da Terra.
Creio que é hora de as organizações investirem não só nos missionários que já
estão no campo, mas também no treinamento daqueles que um dia servirão à causa
do Senhor.
9 – Cultura da Infidelidade.
Infelizmente, a cultura normal do brasileiro é não cumprir com os compromissos
assumidos, o que não implica numa punição visível. Os missionários que dependem
de promessas de crentes têm ficado frustrados, decepcionados e muitos deles até
mesmo amargurados. O quadro não é muito diferente com as igrejas. Muitas delas
enviam seus candidatos com um compromisso assinado, algumas vezes registrado em
atas, e o resultado acaba sendo desanimador, pois não raro as promessas não
saem do papel.
A mudança de pastor, construção de um templo, método de trabalho da igreja ou
uma crise financeira pode ser um argumento forte o suficiente para cortar o
sustento do missionário. Assim, o missionário acaba sendo visto como algo
descartável ou até mesmo supérfluo. Na maioria das vezes essas mudanças ocorrem
sem tempo hábil para um planejamento ou comunicação prévia com o missionário,
que pode acabar forçado a abandonar o campo.
Fizemos uma pesquisa com um cadastro de 20.000 pesssoas que assinaram um cartão
de compromisso de sustento. Os números mostram que a média dos mantenedores
fiéis a seu compromisso é de apenas 5%. Vale lembrar que esses compromissos são
assinados. Este não é um quadro verificado apenas por nós, mas podemos dizer
sem medo de errar que, de uma forma ou de outra, todas as agências sofrem com
essa falta de fidelidade. Conversei sobre isso com um líder de outra
organização missionária e ele me disse que eles têm trabalhado arduamente na
área de fidelização, no entanto somente o mesmo percentual de 5% na fidelidade
dos compromissos assumidos é alcançado.
10 – Denominacionalismo exagerado.
Quando se pensa em missões transculturais aos povos não alcançados, é preciso
deixar o denominacionalismo exagerado de lado. O trabalho missionário deve ser
feito em conjunto em várias frentes.
Somente o trabalho missionário pode unir a Igreja, pois é uma das poucas
questões que não gera polêmicas teológicas. Jesus nos alertou que o mundo
somente vai crer quando formos um. Muitos líderes preocupam-se em colocar uma
placa denominacional acima de tudo. Contudo, eles nem imaginam que em alguns
lugares é impossível exibir publicamente o nome da igreja evangélica. Isso sem
falar no escândalo que é para algumas culturas verem dois ou mais grupos
criticando abertamente um ao outro.
Como seriam nossas igrejas se os missionários que aqui chegaram tivessem a
mesma visão? Hoje seríamos meras congregações das igrejas do hemisfério Norte.
Há muitas igrejas interessadas em ver suas “extensões” nos países do hemisfério
Norte, especialmente entre a comunidade de brasileiros que vivem como
imigrantes nos países ricos. Infelizmente, poucas igrejas rompem com esse
pensamento e trabalham juntas pela extensão do Reino e não por uma expansão
denominacional. Por causa disso, os números mostram que menos de 0,2 % das
igrejas brasileiras tem um missionário trabalhando entre os povos não
alcançados.
Olhando para as Escrituras, não há indícios de que os apóstolos deveriam ficar permanentemente
em Jerusalém e governar a Igreja. Tampouco havia o conceito difundido hoje em
dia por certos grupos de que “apóstolo” é o líder principal de um grupo de
igrejas. Paulo nunca manteve um controle dominador “apostólico” das igrejas
implantadas por ele.
11 – Cultura do retorno financeiro.
Por que investir num tradutor da Bíblia para uma língua que ainda não dispõe
dela e cujos falantes não conhecem a escrita? Isso não traz retorno financeiro
e implica em grande investimento a longo prazo. Essa é a idéia mais comum no
contexto brasileiro. Dificilmente lembramos que João Ferreira de Almeida
começou a tradução da Bíblia para o português aos 16 anos de idade e morreu sem
vê-la concluída.
É impressionante ver o relato de como a Bíblia foi traduzida para a língua
tibetana. Foram 90 anos de trabalho árduo e os missionários morávios que
começaram o trabalho não o viram ser concluído. A determinação daqueles que se
dispõem a ser pioneiros é admirável.
Quando se investe em um obreiro nacional para implantar uma igreja onde já
existem muitas outras, o resultado geralmente é rápido. Logo se estabelece uma
congregação que muitas vezes envia todos os recursos para a sede. Manter um
missionário em campos não-alcançados é caro e dá muito trabalho. Esquecemos daqueles
que pagaram o preço para trabalhar em nossa pátria, deixando sua família,
cultura e igreja para que nós tivéssemos acesso ao evangelho.
Há missionários sendo enviados para lugares onde a comunidade brasileira é
forte, principalmente onde há um retorno financeiro rápido, pois almejam
alcançar os imigrantes que buscam melhores oportunidades de ganho financeiro. A
questão é: por que não existe um investimento proporcional para se alcançar os
confins da Terra, principalmente aqueles que nunca ouviram uma vez sequer a
mensagem do evangelho? Acaba existindo uma confusão na cabeça de muitas pessoas
sobre o que realmente é um trabalho missionário transcultural.
Todos os obreiros no reino de Deus são levitas e por isso deveríamos ver o
princípio bíblico ser aplicado. A tribo dos levitas recebia 110% de ofertas. A
contribuição era 10% de cada uma das outras 11 tribos, que retinham 90%. Este
quadro foi mudado e quando foi instituído o dízimo dos dízimos os levitas
passaram a ficar com 99%. Mesmo assim recebiam 10% a mais do que as demais
tribos. A questão é: “Até que ponto os levitas de hoje são somente os músicos,
como pregam muitas igrejas?”
É impressionante ver que os salários dos missionários transculturais parecem
ser cortados e diminuídos por qualquer motivo, enquanto o mesmo não acontece
com os salários pastorais. No conceito da maioria das igrejas brasileiras, o
missionário é visto como uma pessoa de segunda categoria ou um extraterrestre.
Essa atitude precisa ser mudada, e para isso é necessário eliminarmos essa
cultura do retorno financeiro.
O “normal” para muitas igrejas brasileiras é fazer campanhas para ajudar os
missionários. Geralmente elas só conseguem arrecadar artigos que não têm mais
nenhuma utilidade, coisas já desgastadas e que dificilmente podem ser usadas
pelos missionários. A idéia predominante é de que os missionários são pessoas
que não “deram certo” na igreja e por isso são vistos como uma espécie de
“cidadãos de segunda classe”
12 – Barreira Financeira.
A distância geográfica entre o Brasil e os povos não-alcançados da Ásia,
Oriente Médio, Norte da África e Sahel é muito grande, o que gera maiores
necessidades financeiras. Vejamos um exemplo prático: o custo de uma passagem
aérea para um britânico visitar um país africano como o Níger corresponde a
menos de um salário mínimo da Inglaterra. Enquanto isso, para um brasileiro
voar até o Níger o custo é de aproximadamente oito salários mínimos do Brasil.
Ou seja, um britânico precisaria trabalhar menos de um mês para viajar,
enquanto o missionário brasileiro necessitaria dedicar-se a quase oito meses!
O salário mínimo mensal
no Brasil é de aproximadamente 340 dólares americanos. A metade da população
brasileira recebe menos de dois salários mínimos por mês. A logística e
estratégia para manter um missionário na região dos povos menos alcançados do
mundo é caríssima. O líder de uma missão brasileira foi desafiado para o
trabalho da China, que tem 490 etnias não alcançadas e cerca de 320 milhões de
pessoas que nunca ouviram do evangelho. Ele apenas disse: “Não temos interesse
na China porque fica distante e não temos estrutura para dar o cuidado
missionário”. Eu disse isso ao líder de uma missão da China e sua resposta foi:
“Será que Deus continuará distante dos chineses por causa disso?”
Sem pessoas como o apóstolo Paulo, Hudson Taylor, David Linvigstone, William
Carey, Adoniran Judson, Daniel Berg, Gunnar Vingren, William Bagby, Ashbel
Simonton, Nájua Dib e Ronaldo Lidório, o que seria de nós e de tantos outros
povos? Mas quando lemos sobre a vida desses e de outros homens de Deus, jamais
vemos que dinheiro foi uma barreira intransponível, pois o Senhor sempre
levantava pessoas para ajudá-los na questão financeira. Dinheiro não pode ser
um impedimento para a continuação da obra.
13 – Concentração de Poder.
O sistema das igrejas
evangélicas prioriza a entrada de recursos econômicos e não os feligresses.
Prova disso é que onde existe retorno financeiro abundante e rápido há uma
concentração de igrejas em detrimento dos lugares onde a população é mais
pobre.
O Movimento Brasil 2010 tem trabalhado para ver este quadro mudado. Eles
realizam pesquisas sobre a realidade religiosa do país com o objetivo de
mostrar aos pastores a desproporção na distribuição das igrejas, visando,
assim, uma alocação mais eqüitativa de obreiros até o ano 2010. O alvo é ver
uma igreja implantada para cada 1.000 habitantes da nação brasileira.
Uma estatística publicada pelo movimento mostra o exemplo de São Caetano do
Sul, no estado de São Paulo. Essa cidade briga com Brasília pelo primeiro lugar
em renda per capita da nação brasileira. Existem mais de 60 igrejas em somente
15 quilômetros quadrados. Como resultado dessa pesquisa, um pastor deixou uma
cidade do interior paranaense para se mudar para São Caetano do Sul!
Quando olho para fatos como este, me admira a pouca atenção dada os desafios da
Turquia, por exemplo, país com 70 milhões de pessoas e menos de 2.000 crentes.
Em metade dos estados daquela nação não há nenhum obreiro. O que motiva um
crente a ir morar onde já existem muitos outros cristãos? O certo não seria as
pessoas desejarem levar o evangelho para as regiões onde existem poucos ou
mesmo nenhum crente?
14 – Liderança centralizadora.
Na América Latina, principalmente no Brasil, a maioria das igrejas segue o
modelo de uma igreja-sede com várias congregações. Isso parece ser herança do
sistema católico, onde uma diocese controla várias paróquias.
A maioria da liderança das igrejas no Brasil não é participativa, mas sim
dominante, seguindo o modelo dos caudilhos. O quadro é o mesmo em toda a
América Latina, África e muitos países asiáticos. Infelizmente, a maioria
desses líderes não tem demonstrado amor e compaixão pelos povos não alcançados.
Pedi a uma missionária para fazer uma pesquisa com os missionários da
Horizontes para ver quantos deles foram influenciados por seus pastores para
irem aos povos não alcançados. Chegamos à impressionante estatística de que 95%
deles não foram incentivados, orientados ou desafiados por seus pastores. O
mais estarrecedor de tudo é que vários destes pastores na verdade tentaram
dissuadi-los a não aceitarem os desafios dos povos não-alcançados e
negligenciados pela igreja. A Horizontes somente recebe os candidatos com o
apoio de suas igrejas, por meio de uma carta de apresentação. Portanto, é possível
imaginar que a primeira batalha do candidato começa com quem deveria apoiá-lo.
Os líderes principais das sedes não dão nenhuma autonomia às congregações.
Então, se tais congregações têm um candidato a missões, ele não pode ter apoio
financeiro, pois estará desviando o dinheiro da sede. A realidade é que o
investimento per capita do Brasil em missões transculturais é o irrisório valor
de apenas R$ 1,30 por ano. Como brasileiro, tenho orado para que os pastores
presidentes tenham visão, revelação, sonhos, teofanias ou uma palavra do Senhor
para que invistam em missões transculturais.
Também tenho orado e incentivado outros a orar para que o Senhor chame os
filhos destes pastores presidentes e empresários para missões transculturais,
pois sei que se eles forem aos campos não-alcançados não lhes faltará sustento
e poderão influenciar seus pais a mudarem a atitude com relação a missões. Se
cada uma destas igrejas investisse somente 10% de suas entradas em missões,
ocorreria uma revolução extraordinária jamais vista na história da Igreja.
15 - Cultura espiritual.
Os discípulos conviveram com o Mestre por mais de três anos aqui na Terra.
Todos os dias ouviam Jesus lhes ensinando as Escrituras e mesmo assim não as
entendiam. Finalmente, o Senhor abriu o entendimento deles para que pudessem
compreender as Escrituras, como vemos em Lucas 24: 45-48. O objetivo da ida de
Jesus para a cruz era resgatar todos os pecadores para a glória de Deus. Ele
cumpriu a sua parte, completou cabalmente a sua missão, e depois passou a tocha
aos discípulos, dizendo: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”
(João 20: 21b). Essa tarefa deveria começar por Jerusalém. Muitos têm ensinado
que a Jerusalém simboliza a nossa cidade. É preciso lembrar que os discípulos
remanescentes não eram naturais de Jerusalém. Eles eram da Galiléia. O único
cidadão da região de Jerusalém foi Judas, o traidor.
O ensino do Senhor era que as pessoas, quando se convertiam, deveriam ir
primeiro aos seus. Após receberem a preparação do Mestre sobre a Grande
Comissão, a visão passada a eles era alcançar todos os povos, tribos línguas e
nações. A conclusão óbvia é que deviam ir a Jerusalém porque lá todas as nações
do mundo estariam representadas. Isso sempre ocorria na festa de Pentecostes,
que naquele ano foi marcada pela descida do Espírito Santo.
Os renomados pastores e escritores Andrew Murray e Oswald Smith enfatizavam em
seus dias que o maior obstáculo para missões são os próprios pastores. Isso não
é diferente em nossos dias.
Posso relatar casos que envolvem vários missionários. Eles constantemente
visitam igrejas com o objetivo de levantar os recursos para as passagens ou
sustento. Vários pastores aproveitam para levantar ofertas fazendo um apelo
dramático para que os crentes dêem tudo o que puderem para a obra missionária e
o missionário presente ali. Ao final do culto, alguns desses pastores nem
procuram o missionário, enquanto outros dão apenas o dízimo da oferta
recolhida. São raros os pastores que demonstram fidelidade quando se trata de
ofertas. Conforme afirmavam Andrew Murray e Oswald Smith trata-se de um
problema espiritual.
Se queremos ver um avivamento missionário nesta nação, devemos orar para que o
Senhor abra o entendimento da liderança da Igreja brasileira e eles possam ver
além da sua própria região ou paróquia. Que eles possam ter a mesma visão de
John Wesley, que disse: “A minha paróquia é o mundo”.
Conclusão
Muitos líderes nacionais e estrangeiros têm profetizado que o Brasil é um
“celeiro de missões”. Isso é verdade, pois trata-se de um celeiro cheio. Mas
ele não terá serventia se não for usado para alimentar os povos menos
alcançados pelo evangelho. Uma frase do hino nacional brasileiro afirma que o
país está “deitado eternamente em berço esplêndido”. Isso também poderia ser
aplicado a este país “gigante pela própria natureza” quando se trata de missões
transculturais. É preciso despertar o “gigante” de seu “berço esplêndido” e
mostrar que ele é também “belo, forte, impávido colosso”.
Para que isso aconteça será preciso empregar uma força descomunal. Esta força
terá que vir de um cordão de três dobras , formado pela parceria entre a igreja
estabelecida no Norte, a igreja do Sul e o Senhor Jesus. Somente trabalhando
juntos, em espírito de oração, poderemos ver o potencial missionário do Brasil
ser plenamente desenvolvido.
O pastor e líder político Martin Luther King Jr afirmava que: “Esperar que Deus
faça tudo enquanto não fazemos nada não é fé, é superstição”. Este esforço tem
que ser urgente, pois esta é a época de colheita, em que os adolescentes e
jovens estão interessadíssimos em entregar sua vida para a propagação do
evangelho entre os não alcançados. Estes jovens brasileiros e latinos que estão
sendo recrutados, treinados e enviados aos povos não-alcançados podem viver com
um valor 20% menor do que um norte-americano gastaria. Isso sem falar na maior
facilidade que os latinos têm de ser aceitos pelo povo local
Creio que se não houver um grande esforço de recrutar, treinar e enviar este
contingente o quanto antes, a colheita pode ser perdida. Este esforço tem que
ser gigantesco, proporcional ao tamanho do Brasil, que tem dimensões
continentais. Para efeitos de comparação, constata-se que o Brasil é maior que
toda a Europa e o Leste Europeu juntos. Assim, o planejamento de investimento
tem que ser pensado dentro de uma perspectiva continental.
Gostaria de concluir este
artigo apresentando alguns passos práticos para que ocorra uma mudança
verdadeira neste quadro.
1 - Devemos criar um movimento nacional de oração para que o Senhor abra os
olhos e corações da liderança brasileira para os povos não alcançados. Uma boa
maneira de divulgar isso seria produzindo bons vídeos, DVD’s, CDs e livros para
despertar pessoas para a realidade de missões. Eles deveriam ser baratos e de
fácil acesso, talvez com custo subsidiado. No Brasil alguns livros de missões
têm uma tiragem de apenas 1.000 exemplares. Precisaríamos que fossem dezenas de
milhares. Essa tiragem pequena encarece os livros e torna seu acesso restrito a
uma elite com bom poder aquisitivo. O ideal seria popularizar livros, vídeos e
CDs como fez o alemão Martinho Lutero durante a Reforma, que espalhou a Bíblia
e seus escritos em seus dias. Levando em conta a experiência que temos com
nossa editora, é possível dizer que sem apoio do exterior, muitos bons livros
de missões nunca serão publicados em português.
2 – Há uma necessidade premente de que líderes brasileiros aprendam o inglês,
assim como também seria oportuno que os líderes de organizações internacionais
aprendessem o português. Além disso, ambos poderiam procurar aprender a cultura
um do outro. Isto pode ajudar no relacionamento que multiplicará a força
brasileira e latina em direção aos não alcançados. Parceria é, acima de tudo,
relacionamento.
3 – As organizações que têm mais recursos poderiam destinar uma boa percentagem
deles para sustentar os que desejam ser treinados e enviados aos não
alcançados. O maior obstáculo para os candidatos brasileiros em missões
transculturais ainda é levantar os recursos para o treinamento e depois
levantar o sustento completo para se manterem no campo. Esse problema poderá,
creio eu, ser solucionado com parcerias fortes. A cada real ou dólar levantado
por um candidato brasileiro, a organização parceira do Norte poderá levantar um
valor correspondente, o que dobraria o sustento do candidato.
Para citar um bom exemplo, Waldemiro Tymchak, ex-diretor executivo da Junta de
Missões Mundiais dos batistas brasileiros, disse que tinha mais de 300
candidatos para serem treinados e enviados. Porém, os recursos da JMM não são
suficientes para atender à grande demanda de candidatos. Imagine se uma
convenção estrangeira aceitasse o desafio de fazer uma parceria e levantar a
metade dos recursos de 100 candidatos. Depois, se esse exemplo fosse imitado
por países como Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Suécia ou Alemanha, o
resultado seria 300 novos obreiros treinados e enviados para missões
transculturais.
Outro projeto que devemos
investir em missões é formar tradutores da Bíblia. É impressionante e
vergonhoso constatarmos que em pleno século XXI ainda existam mais de 2.000
línguas sem nenhuma porção da Bíblia. Enquanto isso, existem muitos candidatos
interessados, aprovados e cadstrados, mas que não possuem o sustento mínimo
adequado para o treinamento.
Se conseguirmos fazer isso, alcançaremos o alvo proposto pela Visão 2025, que
visa ter um projeto de tradução da Bíblia em andamento em todas as línguas que
ainda não o possuem até o ano 2025.
4 – As organizações interdenominacionais enxutas, que não sobrevivem das taxas
de administração cobradas de seus missionários, têm um grande desafio: levantar
recursos para construir estruturas para Centros de Treinamento Transcultural.
As igrejas brasileiras não têm a visão de investir em Centros de Treinamento
interdenominacionais. Isso tem impedido o aparecimento de mais organizações
dedicadas ao treinamento de missionários. As organizações brasileiras já
existentes precisam ser apoiadas por outras organizações do Norte que
compreendem melhor que investimentos como esse são vitais para a expansão do
reino de Deus.
Tudo o que foi feito até o momento por organizações interdenominacionais
brasileiras é fruto de um esforço descomunal dos obreiros e muita criatividade
das lideranças para dar conta do recado. Isso tem consumido muito esforço de
mobilização e treinamento e drenado muito da energia dos obreiros. Dividindo
nossas forças, ficamos impossibilitados de dedicar-nos à conscientização
missionária da igreja brasileira e desenvolvermos as áreas de logística,
estratégia, recrutamento, treinamento e cuidado do missionário no campo.
Se tivermos um bom planejamento, estratégia, logística, um investimento maciço
e um trabalho bem feito nas áreas emblemáticas, poderemos inverter o quadro
atual. Reiteramos que nas atuais circunstâncias isso só poderá ser feito em
parceria com os irmãos do hemisfério Norte. Esta é a hora de parcerias. Somente
juntos poderemos mudar a história de missões.
Termino lembrando a experiência de Oswald Smith, que foi pastor da Igreja dos
Povos em Toronto, no Canadá, que chegou a sustentar 800 missionários em seus
tempos áureos. Em um de seus livros ele narra a seguinte história:
Aconteceu durante a
Segunda Guerra Mundial. A França havia se rendido aos alemães. Os Estados
Unidos ainda não haviam entrado na guerra. A Grã-Bretanha estava resistindo
sozinha, de costas contra a parede, esperando a invasão iminente. Sir Winston
Churchill, o primeiro-ministro inglês, resolveu falar diretamente ao povo
norte-americano. Eu guiava numa auto-estrada, tendo ao lado minha esposa.
Encostei o carro no acostamento e desliguei o motor, a fim de não perder nem
uma só palavra de Churchill. O rádio do carro estava sintonizado na BBC de
Londres. O primeiro-ministro inglês falou apenas dois ou três minutos, porém
declarou algo de que eu jamais me esqueceria, desde aqueles dias até hoje. Sir
Winston Churchill, dirigindo-se ao povo norte-americano disse: “Dê-nos as
ferramentas, e nós terminaremos o trabalho”.
Parafraseando as palavras de Sir Winston Churchill, afirmo que sem parcerias será
impossível alavancar as missões transculturais na igreja brasileira e
aproveitar o potencial existente. Em contrapartida, se tivermos as ferramentas,
junto com a igreja do Norte, poderemos despertar este gigante e tirá-lo do
berço esplêndido onde se encontra e assim terminaremos a tarefa a nós
encomendada de fazer discípulos de todas as nações.
David Botelho